Para Hipócrates o princípio da
ética médica era, em primeiro lugar, não prejudicar (em latim: Primum non nocere). A medicina do século
XVIII, no entanto, prejudicava e muito os doentes. Tratava-se de uma medicina
iatrogénica, sendo a iatrogenia o sofrimento causado por uma acção médica.
Neste contexto surge o médico
alemão Samuel Hahnemann (1755-1843), que exerce a profissão até os 34 anos,
quando decide abandonar a carreira por insatisfação com os efeitos nocivos da
prática médica.
Foi no ano de 1770 que Samuel
Hahnemann se dedicou a traduzir e a anotar uma obra médica chamada “Matéria
Médica” que tinha sido escrita por um médico escocês de nome William Cullen.
William Curley viveu entre 1710 e 1790 e era uma pessoa muito respeitada no
universo da medicina e em toda a Europa, por ter sido o primeiro Professor de
Medicina na Universidade de Glasgow e por fazer uso de métodos de ensino
inovadores para a sua época. Nesta sua obra médica, o
Professor William Cullen dedicou 20 páginas à casca da chinchona, que mais
tarde viria a ser conhecida por quinina, muito eficaz no combate da malária.
Hahnemann, no decurso das suas
traduções, verificou que Cullen tinha sugerido que a chinchona seria eficaz no
tratamento desta doença devido às suas propriedades adstringentes. Como
Hahnemann conhecia vários adstringentes que não tinham estas características de
anti-malária, decidiu estudar mais profundamente este fármaco e testar o mesmo
em si próprio, tomando duas doses do remédio e anotando cuidadosamente todos os
sintomas, físicos e mentais, que se manifestavam. Hahnemann considerou então que o
quadro de sintomas provocados pela toxicidade da chinchona, eram exactamente os
mesmos que se registavam nos doentes afectados com a febre da malária.
Esta descoberta foi o culminar de
outras experiências pessoais realizadas anos antes com o mercúrio e com o
arsénico.
Com estes resultados Hahnemann pôde
reconhecer que os agentes químicos ou naturais que efectivamente produziam a
doença, também tinham o poder de produzir a cura. Esta descoberta foi designada
por “Lei da Cura”, tendo sido a precursora da filosofia em que se baseia a
Homeopatia dos nossos dias.
Hipócrates e vários outros
autores já tinham sugerido que os semelhantes curam os semelhantes. Porém,
coube a Hahnemann comprovar e sistematizar essa lei da cura. Decide então
experimentar em diversas pessoas saudáveis, várias substâncias conhecidas pela
medicina da época. Os resultados dessas primeiras pesquisas foram publicados em
1796 num texto chamado “Ensaio sobre um novo princípio para descobrir as
virtudes curativas das substâncias medicinais, seguido de alguns comentários a
respeito dos princípios aceites na época atual”. Digamos que foi neste momento
que nasceu efectivamente a Homeopatia dos nossos dias.
Embora estas descobertas notáveis
já tivessem sido observadas e mencionadas por Hipócrates no séc. IV A.C.,
nomeadamente quando recomendava que se tratassem vómitos com eméticos,
medicamentos usados para provocar o vómito, e por Paracelso no séc. XV, um
médico itinerante e alquimista nascido na Suíça, que referia que administrando
num doente com peste, um comprimido feito de pão contendo uma dose ínfima de
fezes, desse doente, retirada com uma agulha este ficaria curado, foi com
Hahnemann que se impulsionou o desenvolvimento e a sistematização da medicina
homeopática. O termo homeopatia aprece escrito pela primeira vez em 1807.
Foram feitos vários estudos e
aplicações da lei da cura na época de Hahnemann, uns realizados por este e
outros realizados por médicos seguidores dos seus estudos e filosofia. Como
exemplo, a escarlatina era uma doença endémica, que na altura afectava muitas
crianças chegando a constituir-se como epidemia por volta de 1812. Nesse ano,
atendendo a vários pedidos, Hahnemann enviou a colegas seus, três grãos de
extracto de Belladonna que deveriam ser devidamente triturados num almofariz
com 28,4ml de água destilada, depois acrescentar-se mais 28,4ml de água
destilada e igual quantidade de álcool. Desta preparação, retirava-se uma gota
que seria adicionada a 75,2ml de água destilada e 28,4ml de álcool, ficando
depois pronta para ser administrada. Administrava-se 1 gota cada 3 ou 4 dias em
crianças menores de 5 anos, e, em pessoas com idade superior a 5 anos
administrava-se 2 gotas também cada 3 a 4 dias. As curas surgiram em cadeia e
houve numerosas cartas de agradecimento ao Dr. Hahnemann mencionando o facto da
Belladonna ter minimizado muito os efeitos nocivos da escarlatina.
Hahnemann continuou o seu
trabalho procurando novos tratamentos para as doenças da época e experimentou
nele próprio, nos seus familiares e em pessoas voluntárias e saudáveis, várias
substâncias activas, registando em seguida a evolução dos sintomas. Verificou
que estes remédios provocavam os sintomas das doenças nas quais eram usados como
tratamento.
Depois destas comprovações, o
termo “Similaridade” começou a ser associado não só a sintomas físicos, como
também a sintomas mentais e emocionais, o que se revelou de grande importância,
pois permitiu-lhe, mais tarde, identificar um método físico de selecção de
remédios com base neste conceito inovador do “similar cura o similar”, mais tarde denominado Lei dos Semelhantes.
Hahnemann constatou ainda nas sua
prática experimental e clínica diária que muitos remédios administrados de
forma tradicional ou ponderal tinham duas acções distintas, primária e
secundária, bastante fortes em todas as partes do organismo que se pretendia
curar, enquanto os remédios administrados em doses homeopáticas tinham
normalmente apenas uma acção primária. Deu como exemplo o Ópio que quando administrado
em dose ponderal começa por dar uma calma e um sentimento de coragem e força
anímica, mas passadas umas horas, provoca numa segunda fase, um relaxamento e
um abatimento geral do indivíduo. Com este exemplo e outros semelhantes,
Hahnemann verificou que alguns remédios para curarem poderiam provocar numa
fase inicial um agravamento dos sintomas do doente, o que veio a revelar-se
também da maior importância na definição da doutrina homeopática.